Publicado: out 12, 2023
Atualizado: abr 22, 2024
Escrito por: Helissa

Desde que eu conheci meu marido e ele me contou sobre suas caçadas aos cogumelos no sul da França eu fiquei absolutamente encantada com essa possibilidade de não só encontrar vários cogumelos/fungos lindos na floresta, mas principalmente de achar os que são comestíveis e deliciosos.

Quer coisa mais maravilhosa do que combinar uma trilha na mata com encontros surpresas com organismos lindos e misteriosos, e ainda por cima poder comer vários, que são muito gostosos, nutritivos e até medicinais? Para quem é um amante da natureza, isso é uma combinação perfeita.

Entretanto, demorou anos para estarmos em uma região mais propícia para isso e com acesso à florestas, matas e bosques, e também ter tempo para poder dedicar a esse hobby. Isso foi acontecer só esse ano aqui em São Francisco de Paula (Rio Grande do Sul), onde os planetas se alinharam e eu pude realizar esse sonho.

Boletinellus rompelii no Brasil
Um jovem Boletinellus rompelii, espécie de cogumelo comestível

E assim acabei virando uma entusiasta e me apaixonei por esse Reino Fungi, querendo saber mais e mais sobre, não só dos comestíveis mas sobre tudo que é tipo de fungo. Desde então venho compartilhando meus achados lá no insta @funga.da.serra e agora também aqui no site.

Essa prática ainda não é muito comum no Brasil, de fato comer cogumelos é algo que em geral não está muito na cultura do nosso país (tirando é claro os povos indígenas, como os Yanomami, que tem muito conhecimento para compartilhar sobre isso).

Mas nos últimos anos esse interesse por cogumelos vem crescendo bastante, e assim também a ideia e vontade de caçar cogumelos silvestres. Regiões como a Serra Gaúcha são uma das mais propícias para isso, pela variedade de cogumelos que dá para se encontrar aqui o ano todo – mas principalmente pelos deliciosos cogumelos que aparecem no outono/inverno.

Há cada vez mais biólogos e especialistas que oferecem eventos de Caça aos cogumelos guiada em grupos em várias partes do país, com coleta, identificação e muitas vezes com o posterior preparo e degustação das espécies encontradas. Porém, para participar o valor do investimento é geralmente um pouco elevado, além do custo de deslocamento para o local do evento, infelizmente se tornando proibitivo para muita gente.

Pensei então em escrever um post com algumas dicas para caça e coleta de cogumelos selvagens, coisas básicas para se pensar e planejar antes de ir à campo.

Onde procurar?

Fungo Auricularia fuscosuccinea na Serra Gaúcha
Auricularia fuscosuccinea, fungo comestível crescendo em tronco em decomposição

Cogumelos e fungos podem crescer no chão da mata; em troncos, árvores, galhos e madeira em decomposição em geral; em pastos/grama; sobre esterco; e em associação com raízes de árvores específicas, como pinheiros (Pinus sp.) e Eucaliptos. Então é preciso ter em mente qual tipo de cogumelo ou fungo se está buscando, para ir ao local apropriado.

Ao se trata de cogumelos associados à certas árvores (que em geral são os mais populares e procurados), quando achar algum do seu interesse em alguma área nunca se esqueça dela, pois ali estão seus micélios (que são como se fossem as “raízes” dos fungos), sendo um local onde esta espécie irá aparecer mais vezes.

Então, com tempo e prática, você irá encontrando as suas “áreas”, e na temporada certa já sabe que é provável de encontrar certos cogumelos.

Se for caçar em florestas de Pinus, muitos cogumelos acabam ficando escondidinhos embaixo das agulhas/palhas dos Pinus (como se chamam as “folhas” dos pinheiros), que muitas vezes foram “tapetes” bem densos no chão da floresta, então preste bem atenção.

Qual é a melhor época?

Suillus granulatus na Serra Gaúcha
Suillus granulatus, coleta abundante em pleno verão.

Dependendo de qual fungo ou cogumelo você está procurando, existe uma época mais favorável para encontrá-lo. Por exemplo, cogumelos “importados” (os não-nativos, cujos micélios vieram junto das raízes dos Pinus e Eucaliptos que foram trazidos do exterior), que são alguns dos mais comuns e populares macrofungos comestíveis aqui na Serra Gaúcha, são encontrados no outono e inverno, pois precisam de certa combinação de frio/umidade para “nascer”.

O Boletus edulis (Porcini), Lactarius quieticolor e o Suillus granutalus são os mais comuns de se encontrar por aqui. Porém, como o clima aqui no Rio Grande do Sul é meio esquizofrênico, as vezes se encontram alguns exemplares também em outras épocas, mas é mais incomum.

Pela minha experiência eles são mais abundantes entre abril e julho e em geral é bom esperar uma boa chuva – ou alguns dias de chuva, e depois 1 ou 2 dias de sol, que é bem provável que sua caçada irá ser um sucesso, ainda mais quando você já achou suas áreas com árvores onde os micélios estão presentes.

Já os muitos fungos nativos e comestíveis, que em geral crescem em árvores e madeira em decomposição, são mais comuns de encontrar na primavera/verão – mas também não é uma regra absoluta.

Alguns exemplos são os cogumelos dos gêneros Pleurotus (como Pleurotus albidus e Pleurotus djamor), Lentinus, e Auricularia, entre muitos outros. Gostam de muita chuva e umidade, e em geral estão dentro ou nas bordas da mata, então é preciso ficar de olho em tudo que é árvore, galho e tronco caído pelo chão, rs.

O que é preciso levar?

Coleta de Lactarius quieticolor na Serra Gaúcha
Coletando Lactarius quieticolor em sacos plásticos – foi o único recipiente que tínhamos no momento. Foi uma surpresa encontrar tantos, em uma área que não conhecíamos. Trabalhamos com o que é possível e não somente o que é ideal, rs.

É recomendável levar uma cesta de vime ou algo similar para coletar, pois ela tem espaços abertos e os esporos dos cogumelos podem ir se dispersando conforme você vai caminhando. Porém nem sempre é possível andar no meio da mata com uma cesta de vime, ou você também pode encontrar um cogumelo quando menos espera ao fazer uma trilha.

Nesse caso eu acabo colocando em um saco plástico mesmo, o que teoricamente não é tão recomendável porque eles ficam muito um em cima do outro, o que acaba os machucando mais. Mas se em questão de algumas horas eles serão tirados dali e consumidos ou colocados na geladeira, também não é tão dramático assim, já fiz muitas vezes e ficou tudo bem.

Se tiver algum livro de identificação de fungos, sempre útil levar também, e é claro um celular ou câmera para tirar fotos – seja por hobby mesmo ou para tirar fotos detalhadas para ajudar na identificação posterior.

Lembre-se sempre de tirar fotos de todas as partes do cogumelo e de vários ângulos, de cima e de baixo do chapéu, do estipe (“caule” ou “pé”), e do entorno (para saber se ele está crescendo no solo ou sobre madeira, e que tipo de vegetação tem por perto). Isso é essencial para fazer uma identificação. É bom também tirar algumas fotos com a sua mão, ou uma moeda, caneta, qualquer coisa para dar a dimensão do tamanho do cogumelo.

Como coletar?

Boletus edulis (Porcini) jovem e adulto

É sempre bom e recomendável não coletar todos os cogumelos que se encontrar, para que eles possam amadurecer e espalhar seus esporos – ou seja, seguir seu ciclo de reprodução. Em geral ao encontrar um grupo a gente acaba achando muitos que são jovens demais ou velhos demais, então estes é sempre bom deixar por lá mesmo.

Tente limpar eles o máximo possível antes de colocar na sua cesta ou saco, pode ser com um pincelzinho, uma escova de dentes, ou mesmo usando o canivete para raspar o excesso de terra, pois evita mais trabalho depois na hora de preparar para comer.

Quando chegar em casa coloque na geladeira o que não for consumir imediatamente, de preferência em uma forma ou bacia/tigela grande que dê para espalhá-los mais, não deixando-os em cima uns dos outros. Eles geralmente duram bem uns 5 dias na geladeira, mas depende muito do cogumelo e do espécime coletado, que se já for mais maduro certamente vai durar menos.

Cuidados e riscos

Jararaca-da-mata (Bothrops jararaca) na Serra Gaúcha
Jararaca-da-mata (Bothrops jararaca) que nos deu um susto em uma trilha, rs. Registro feito em 30/11/23.

Se for desbravar uma mata mais fechada, onde a presença de cobras como a cascavel e a jararaca é conhecida (o que em geral é o caso na Mata Atlântica), eu recomendo ir de galocha e sempre observar bem o entorno, fazer barulho, e usar um galho para espantar qualquer coisa em volta do cogumelo antes de se abaixar para colher/fotografar o fungo em questão.

Em geral não há tanto perigo, mas é recomendável ser prudente, especialmente na primavera/verão quando estas serpentes estão muito mais ativas. “O seguro morreu de velho!”

Em um bosque de Pinus geralmente é mais tranquilo pois é mais aberto, tornando a visibilidade melhor. Mas tanto na mata quanto em uma plantação de Pinus é bom sempre levar um repelente, principalmente na primavera e verão, pois a presença de mosquitos e borrachudos (dependendo da área) é comum e irritante, rs. Também é comum topar com algumas aranhas, então é sempre bom prestar atenção no entorno.

Se tocar em muitos fungos desconhecidos, lembre de lavar as mãos antes de comer algo ou tocar no seu rosto – só o toque assim em geral não causa nenhum problema, mas algumas pessoas sensíveis podem ter alergias a certos esporos de fungos específicos, então nunca se sabe. Alguns fungos “bola da terra” que soltam sua esporada em forma de fumaça, como o Scleroderma citrinum, são exemplos de esporos que podem causar reações alérgicas.

E aquele aviso de sempre, nunca experimente nada sem ter certeza absoluta da espécie, sem ter consultado um especialista e ter feito uma pesquisa aprofundada sobre, levando em conta todos os aspectos do fungo para ter uma identificação positiva. Se tiver dúvida, não arrisque, nunca vale a pena colocar a saúde em risco.

Lactarius quieticolor refogado, e um exemplo de refeição com Pleurotus albidus

Outra dica é sempre que for experimentar uma espécie nova (já devidamente identificada) pela primeira vez, é bom comer somente uma pequena porção. Isto porque até cogumelos considerados comestíveis podem dar alguma reação adversa em pessoas com alguma sensibilidade específica.

No mais, a caça à cogumelos é sempre uma atividade meio misteriosa e mágica; mesmo tendo muita experiência, conhecendo suas áreas, você nunca sabe o que vai encontrar! Sabendo essas informações e dicas sobre onde e quando procurar obviamente ajudam muito, mas no fim eles aparecem quando querem, rs.

Algumas temporadas podem ser super abundantes em certas espécies, outras temporadas bem menos, as vezes se encontram cogumelos super fora da época “normal”, etc. Mas, tudo isso faz parte da graça!

Lembre-se que estas são apenas algumas dicas básicas baseadas na minha experiência na caça e coleta de cogumelos aqui na Serra Gaúcha. Para mais informações sempre busque literatura de biólogos, micólogos e outros especialistas.

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